Coleção de citações encontradas em meus estudos. estoicismo@protonmail.com
#309 — Você não decide o futuro
"Esta é a coisa que cria a virtude da vida e uma existência serena: quando os assuntos da vida estão, de todas as formas, em sintonia com o espírito divino do indivíduo e a vontade do diretor do universo."
— Crísipo
O núcleo do programa Alcoólicos Anônimos se baseia em um processo de 12 passos. O primeiro é simples: admitir o poder que o álcool tinha sobre suas vidas. O segundo passo, contudo, é um pouco mais complicado: admitir que existe um poder maior.
Alguns se negam a seguir em frente porque são ateístas. Outros porque não aprovam religiões. Outros porque não conseguem ver a importância em tal suposição. Até que percebem que essa resistência é apenas o vício falando mais alto — ou uma outra forma de egoísmo.
Apesar de associarmos "poder superior" a uma entidade antropomórfica que pondera nossa vida em termos de ações boas e ações ruins, o propósito do passo da A.A. não é criar teístas. A ideia é criar pessoas que entendam que elas não são o centro do universo. Que nem tudo está em suas mãos.
Você não é o diretor do seu destino. Você pode fazer escolhas, mas, no fim, nem tudo estava em seu poder.
Ao entender esse conceito, você abre mão do maior vício do ser humano: controle.
Aplicação pessoal
Epictetus insiste na divisão do que está ou não na nossa esfera de controle. Nesta ideia que reside o segundo passo do programa dos Alcoólicos Anônimos.
Nem tudo vai ser como esperamos. Não podemos controlar os resultados, apenas o esforço na tentativa de atingi-los.
Isso não deveria deixar um alcoólatra desolado? Não. Ele pode não controlar o mundo, mas pode controlar as escolhas em relação à bebida. E pode aceitar que nem tudo estás na mão dele. Ele se submete e se liberta. Qual o resultado? Paz de espírito.
A possibilidade de continuar em frente porque uma pequena luz surgiu no fim do túnel — existe algo guiando o caminho, e não é mais o álcool.
Você não tem que controlar tudo (e nem deve). Entregue as coisas a uma força superior — mesmo que seja o acaso — e preste atenção àquilo que você pode fazer.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#307 — Ordens médicas: como fazer o que você não quer fazer (e como aceitar o que o destino coloca no seu caminho)
"Da mesma forma que ouvimos as pessoas dizerem que um médico recomendou um exercício de equitação, ou banhos gelados, ou caminhar sem sapatos, nós devemos dizer que a natureza receitou que alguém ficasse doente, ou temporariamente deficiente, ou que sofresse algum outro tipo de limitação. No caso do médico, prescrever significa algo que foi ordenado para ajudar a cura de alguém. Mas no caso da natureza, significa que aquilo ajuda o nosso destino."
— Marco Aurélio
Os Estoicos adoravam analogias. Aqui, Marco observa como ele iria fazer algo desagradável, sem reclamar, se as palavras mágicas "ordens do médico" acompanhassem a atividade.
A médica disse que você precisa tomar esse remédio amargo e de coloração esquisita. Você toma.
A médica disse que você precisa começar a dormir de cabeça para baixo, como um morcego. Você dá um jeito de se pendurar no teto. Nos primeiros dias, você se sente idiota. Depois de umas semanas, você se sente o Batman.
Por outro lado, quando se trata de eventos externos, você luta contra tudo que acontece contrário aos seus planos. Mas e se, Marco pergunta, um médico tivesse prescrito o que aconteceu como parte de seu tratamento?
Bem, e então?
Aplicação pessoal
A sugestão de Marco Aurélio é uma outra forma de encarar amor fati ou a Arte da Aquiescência, como dizem os próprios estoicos.
Se um médico tivesse prescrito o que lhe aconteceu, supondo que ele é uma pessoa consciente e atualizada, você discutiria com ele? Se você sabe que o que ele recomendou é o que você precisa, você evitaria o medicamento ou o tomaria, mesmo sendo horrível?
Provavelmente você tomaria o líquido verde e viscoso.
Mas existe uma outra utilidade para o que Marco Aurélio sugeriu: uma forma de fazer aquilo que você não quer fazer.
Se você vem procrastinando uma atividade e um médico diz que você precisa fazê-la como parte do tratamento, você fará ou continuará procrastinando? Aquilo que deve ser feito e está sendo evitado também pode ser visto como um tratamento. E ao vê-lo como um tratamento, você fará.
Nem tudo o que aparece no nosso caminho vai nos deixar feliz. Na verdade, boa parte será composta de coisas que não desejamos ou não queremos fazer. Mas siga as ordens médicas. Não é nada com o que você não possa lidar. Um pouco de desconforto agora pode significar tranquilidade no futuro.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#305 — Como evitar a decepção
"Não busque que tudo aconteça como você deseja, mas como tudo deveria acontecer — então sua vida fluirá bem."
— Epictetus
"É fácil agradecer à Providência por tudo o que pode acontecer se você tiver duas qualidades: uma visão completa do que realmente aconteceu em cada instante e um senso de gratidão. Sem gratidão, qual o ponto de ver? E sem ver, qual o ponto da gratidão?"
— Epictetus
Algo que não gostaríamos aconteceu. O que é mais fácil mudar: nossa opinião ou o evento?
Se você não tem uma máquina do tempo, a resposta é óbvia. Aceite e não deseje que tivesse sido diferente. Os Estoicos chamam isso de Arte da Aquiescência, aceitar ao invés de lutar contra todas as pequenas coisas que não aconteceram como você queria.
Alguns Estoicos levaram essa ideia ainda mais adiante: não apenas aceitar, mas amar os eventos. O que Nietzsche definiu como amor fati — o amor ao destino. Apreciar e aproveitar mesmo as coisas ruins.
Desejar que as coisas aconteçam como elas devem acontecer (e não como você quer) é uma forma inteligente de evitar a decepção. Nada será contra o que você espera. Como disse Sêneca, “nada que acontece ao sábio é contrário ao que ele deseja”.
Mas sentir gratidão pelo que aconteceu? Essa é uma receita para a felicidade.
Aplicação pessoal
Sêneca foi condenado ao exílio por Claudius e à morte por Nero. Zenão de Cítio perdeu todos os seus bens em um naufrágio. Marco Aurélio viu seu melhor amigo marchar em direção à Roma com intenção de matá-lo. Epictetus foi um escravo e, segundo conta a história, se tornou manco por causa de um espancamento severo de um dos seus mestres.
O que é mais produtivo: tentar mudar a situação atual ou se lamuriar pelo passado, pelo que poderia ter sido feito e não foi? Se eles tivessem perdido tempo reclamando da injustiça da vida talvez não tivéssemos acesso a nenhum dos seus conhecimentos.
Talvez seja difícil amar o que aconteceu, quem se sente confortável apreciando uma situação em que perdeu algum amigo? Você não pode mudar o que aconteceu, mas pode mudar sua percepção e sua reação.
É menos estressante aceitar que as coisas acontecem como elas devem do que pensar em como tudo poderia ser diferente, como tudo poderia ser como você deseja. O Universo não segue os seus desígnios. Quanto mais cedo aprender isso, melhor.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#303 — Como destruir o próprio futuro
"Não estás envergonhado de reservar para ti apenas os restos da tua vida e de reservar para a meditação apenas a idade que já não é produtiva?"
— Sêneca
Em uma das suas cartas, Sêneca conta uma história sobre Alexandre, o Grande.
Aparentemente, enquanto Alexandre conquistava o mundo, alguns países ofereciam pedaços de seu território na esperança de que ele aceitaria e os deixaria em paz. Segundo Sêneca, Alexandre respondia que não se deslocou até a Ásia para aceitar o que eles ofereciam, mas que os países deveriam aceitar o que Alexandre lhes desse.
Ainda segundo Sêneca, nós devemos tratar a filosofia da mesma forma. A filosofia não deve aceitar o que sobrar do nosso tempo, devemos encontrar tempo para as outras coisas apenas quando nosso estudo for finalizado. Se a vida se trata de viver bem e para viver bem precisamos entender os componentes que constituem essa arte, ao não dedicarmos o tempo ao estudo, como podemos esperar fazer o que deve ser feito? Agir como a situação demanda? Conviver com os outros da melhor forma?
Ou transportando a ideia para outras áreas: como você espera fazer um programa em uma linguagem se não estudou a linguagem? Como você espera gerenciar uma equipe se não dedicou tempo a conhecer a equipe, entender as necessidades, habilidades e dificuldades?
Uma pessoa mediana consegue enfiar 20 minutos de TV por dia no seu cronograma. Mas pergunte se ela tem tempo para estudar filosofia e argumentará que está muito ocupada.
Aplicação pessoal
Warren Buffett e Charlie Munger reservam cerca de 80% dos seus dias de trabalho apenas para ler e pensar. "Mas eles já são bilionários, podem fazer isso", você pode argumentar. Eles são bilionários justamente porque dedicam boa parte do tempo deles à leitura, ao estudo.
Warren Buffett uma vez afirmou o seguinte sobre Charlie Munger:
"Charlie, quando era um advogado muito jovem, provavelmente ganhava 20 dólares por hora. Ele pensou: 'Quem é o meu cliente mais valioso?', e decidiu que era ele mesmo. Então Charlie decidiu vender a si uma hora de trabalho do seu dia. Ele fazia isso logo cedo. (…) Todos deveriam agir assim, serem os próprios clientes, e depois também trabalhar para as outras pessoas, e se vender uma hora do dia."
Uma hora do seu dia. Você pode verificar os tweets, novas notificações do Facebook. Ou pode estudar. Filosofia, negócios, marketing, programação, desenvolvimento pessoal...
Nas palavras do próprio Charlie Munger:
"Você não vai chegar muito longe na vida com base no que você já sabe. Você vai avançar na vida através daquilo que você irá aprender… Se a civilização somente pode progredir quando ela inventa um método de inventar, você só pode progredir quando você aprender o método de aprender."
O dia tem 24 horas. Você pode encontrar uma hora para aprender.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#302 — "O caráter do homem é seu destino"
"Cada pessoa adquire o próprio caráter, mas seus papéis oficiais são definidos pela sorte. Você deveria convidar alguns à sua mesa porque merecem, outros porque podem vir a merecer."
— Sêneca
Durante uma seleção de emprego, a maioria dos recrutadores está interessada em: onde você estudou, onde você trabalhou, o resultado do teste que você teve que fazer, além da entrevista e quaisquer projetos/conquistas extras. A ideia? Sucesso passado pode ser um indicador de sucesso futuro. Mas é sempre o caso?
Muitas pessoas são bem sucedidas porque tiveram sorte. Sorte de conhecer alguém que ofereceu uma oportunidade. Sorte de ter feito um curso na época anterior ao boom daquele conhecimento. Sorte de ter se arriscado em algum campeonato.
Mas e os jovens que ainda não tiveram tempo de construir uma lista de conquistas? Nós somos descartáveis e sem valor?
Claro que não. Heráclito disse, “o caráter de um homem é seu destino”. O caráter de alguém é um melhor indicador de uma pessoa, não uma lista de atividades. Considere isso da próxima vez que lidar com alguém sem uma montanha de conquistas.
Aplicação pessoal
Na faculdade, tive um professor que se vangloriava de ter ganho um prêmio Santander de empreendedorismo.
Anos depois, descobri que ele só ganhou o prêmio porque um colega precisava ter um professor orientador para submeter a ideia. O projeto estava pronto, só precisava de uma assinatura. No fim, a equipe ganhou o prêmio, o nome do professor foi incluso e ele nem mesmo sabia do que se tratava o projeto.
E o que ele fez ou deixou de fazer tem a ver conosco? Manter uma atitude correta não se trata apenas de você, também envolve as pessoas que estão ao seu redor.
Você pode (e deve) ser uma boa influência, mas os outros lhe influenciam da mesma forma. Se os seus amigos mais próximos são mais propensos a pegar o caminho mais curto (e errado), com o tempo, como você acha que começará a agir?
No longo termo, caráter é o que indica seu verdadeiro valor (e é a maior vantagem que você tem). E o mesmo é válido para as pessoas que você aceita em sua vida. Você não pode controlá-las, mas sempre existe a opção de escolher quem ficará ao seu lado.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#299 — Como aprender a viver: duas tarefas (Por que fazer o que você sabe)
"O quê, então, torna uma pessoa livre de impedimentos e da autodeterminação? Porque a riqueza não é a solução, nem uma alta posição, nem um estado, nem um reino — ao invés, outra coisa precisa ser encontrada… No caso dos vivos, o conhecimento sobre como viver."
— Epictetus
Todos nós temos duas tarefas principais na vida: sermos boas pessoas e fazermos aquilo em que somos bons. Quase todo o resto é desperdício de energia e potencial.
Como alguém pode fazer isso? Ok, essa não é uma pergunta fácil de responder.
Mas os estoicos foram gentis o suficiente (além de práticos e diretos) para nos dar a resposta: diga não às distrações (dizer não aos objetivos disérgicos — não é aval para ser workaholic), às emoções destrutivas, à pressão externa.
Pergunte-se:
O que apenas eu sei/posso fazer?
Qual é o melhor uso do meu tempo limitado neste planeta?
Faça o que for certo. Trate os outros como gostaria que lhe tratassem. E entenda que toda pequena escolha também é uma oportunidade de prática desses princípios.
É isso. E assim você aprende a viver.
Aplicação pessoal
Nos últimos dias, nós discutimos sobre como ser uma pessoa melhor. Hoje, vamos falar sobre a outra atividade: fazer aquilo que você sabe fazer.
Gostaria de distinguir entre fazer o que você ama e fazer o que você sabe. Viver fazendo o que ama pressupõe uma paixão definida, e nós sabemos que cultivamos diversas paixões ao longo da nossa vida. Hoje eu posso estar jogando poker e amanhã inventar de fazer deadlift, e amar os dois por duas semanas.
Contudo, você provavelmente é muito bom/boa em algo em particular.
Agora, você pode odiar o trabalho que faz, mas todo trabalho pode ser o trabalho da sua vida, especialmente se você souber o que está fazendo. Sêneca já falou que podemos ser felizes até mesmo no meio de um Fórum Romano. Ele estava certo. Todos os dias eu passo por uma galeria que tem o vigilante mais feliz e simpático que já vi.
Mas como analisar o seu trabalho? Como saber se é possível amá-lo? Cal Newport, autor de Deep Work, deu algumas diretrizes: se o local não é tóxico, se é possível fazer sua parte, se existe chance para crescer, se o trabalho que é oferecido não é imoral nem fere alguma parcela da sociedade e, mais importante, se você tem o capital de carreira — as habilidades e a expertise — você pode vir a amar o que faz. Não é um ultimato, mas tende a ser mais simples mudar de trilha do que mudar completamente de carreira.
Em resumo, você não pode privar os outros de se beneficiar dessa coisa excepcional que apenas você consegue fazer.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#297 —Não culpe as circunstâncias; trabalhe suas qualidades
"As pessoas não estão deslumbradas com sua mente afiada? Que seja. Mas você tem muitas outras qualidades que não pode afirmar ter sido privado no nascimento. Mostre essas qualidades que estão em seu poder: honestidade, dignidade, resistência, castidade, contentamento, frugalidade, gentileza, liberdade, persistência, aversão à fofoca e magnanimidade."
— Marco Aurélio
Culpar as circunstâncias é fácil. Eu não sou tão alta quanto gostaria, você talvez não tenha a resistência que desejava, outro não acha que é tão inteligente, outra não tem o tipo de cabelo que gostaria, outros gostariam de ter nascido em um país diferente.
Se você entrevistar todas as pessoas do mundo, incluindo as supermodels, vai ter dificuldade de encontrar alguém que esteja plenamente satisfeito com o que possui. Sempre vai existir alguma deficiência, seja pequena ou não.
Mas qualquer que seja a deficiência/problema que alegue ter, você tem qualidades que não dependem de acidentes genéticos.
Você pode escolher ser honesto(a). Você pode escolher resistir a alguma situação ruim. Você pode escolher ser feliz. Você pode escolher ser gentil. Você pode escolher o que vai fazer — e isso não depende de ser (supostamente) geneticamente ferrado(a).
E, parando para pensar, mostrar traços que são resultado de esforço e habilidade não é algo mais impressionante do que ganhar na loteria genética?
Aplicação pessoal
Em The 4-Hour Body, Tim Ferriss fala sobre ser geneticamente ferrado e não poder desenvolver músculos maiores.
Segundo exames que fez, ele tem a variação R577X do gene ACTN3. Traduzindo isso: ele não está geneticamente pré-programado para ganhar muita massa muscular. Tim seria um competidor ideal para esportes de resistência. Mas depois de um experimento de 28 dias, ele ganhou 15 quilos de músculos.
Em certos aspectos, é possível superar nossos "genes deficientes". Infelizmente, não posso ultrapassar meus 160 centímetros. Contudo, isso não me impede de tentar melhorar outros aspectos. Especialmente os que Marco Aurélio fez questão de listar.
Não faz mais sentido nos preocupar com aquilo que podemos controlar? Se não posso crescer mais, por que me preocupar com isso? Por que não direcionar minha atenção a algo que posso modificar? Como controlar meu mau humor, minha irritação com alguma coisa, em ser gentil com alguém.
Mesmo que você supere seus problemas genéticos, não vale a pena também se dedicar a melhorar como pessoa? Ser uma pessoa impressionante é muito melhor do que ser geneticamente favorecido. (E se não fosse o Tim Ferriss, provavelmente jamais teria conhecido Sêneca.)
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#295 — A estupidez de pensar apenas no próprio legado
"Tal comportamento! As pessoas não querem elogiar seus contemporâneos cujas vidas eles compartilham, mas têm grandes expectativas para os elogios das gerações futuras — pessoas que eles não conhecem e jamais conhecerão! Isto é semelhante a ter raiva das gerações passadas por não lhe terem elogiado."
— Marco Aurélio
A grande cidade de Alexandria foi nomeada em homenagem ao seu fundador, Alexandre, o Grande. Ainda hoje mantém o nome que lhe foi dado, mais de dois mil anos depois. Quão excitante não deve ser ter uma cidade nomeada por sua causa ou saber que, milênios depois, as pessoas ainda lembram de você?
Uma ideia para ponderar: não é excitante. Você já estaria morto(a) há muito tempo, assim como Alexandre, e não teria a menor ideia se as pessoas do futuro ainda lembrariam ou não. Por definição, ninguém aproveita o próprio legado.
Agora pensemos em todas as coisas terríveis que Alexandre fez para construir o próprio legado. Ele lutou guerras sem sentido (assim como dezenas de outros conquistadores). Ele tinha um temperamento terrível, chegando a matar seu melhor amigo em uma luta — enquanto estava bêbado. Observando o outro lado da moeda, ele não era tão admirável quanto diz a história.
Ao invés de pensar no que as pessoas do futuro dirão, por que você não tenta ser uma pessoa melhor no momento presente?
Seja honesto(a) e impressionante agora. No fim, esse comportamento pode lhe levar a ser lembrado(a) no futuro.
Aplicação pessoal
Marco Aurélio não escreveu as meditações com o objetivo de ser lembrado. Nem mesmo título formal os manuscritos possuíam, apenas uma frase "Τὰ εἰς ἑαυτόν". Literalmente, "para ele mesmo".
Em outras palavras, estamos lendo os diários de um imperador. Suas notas privadas cujo objetivo era auxiliar a compreensão da filosofia e ser uma forma de prática espiritual.
Hoje, Meditações já foi lido por milhares de pessoas ao redor do mundo. Essa nunca foi a intenção de Marco Aurélio, mas sua dedicação em lidar com o agora da melhor forma, seu interesse em fazer o certo no momento em que podia e seus pensamentos sobre tudo isso criaram um texto atemporal.
Devemos ser mais como Marco Aurélio e menos como Alexandre. Nossas ações não podem ser motivadas pelo que as pessoas vão dizer, mas pelo que deve ser feito, não importando o tamanho da escolha — lavar os pratos e ajudar sua mãe, ou parar o trânsito para que uma pessoa ou um animal não seja atropelado.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#293 — Epictetus sobre como eliminar os maus hábitos
"Dado que o hábito é uma força tão poderosa e estamos habituados a perseguir e a evitar aquilo que não está no nosso controle, devemos estabelecer um hábito contrário a isso, e onde as aparências são realmente escorregadias, usar a força de nosso treinamento."
— Epictetus
Quando seu cachorro late porque alguém está na porta da sua casa, a pior coisa que você pode fazer é gritar. Para o cachorro, quando você começa a gritar, é como se você também estivesse latindo. A melhor opção é dar outra coisa para ele fazer. Um brinquedo para mastigar, uma ordem para ele sentar.
Interrompa o impulso negativo. Quebre o padrão.
Nós não somos muito diferentes do cachorro. Quando um mau hábito vem à tona, devemos contra-atacar com outra ação.
Se você se encontrar procrastinando, não tente lutar. Levante-se e vá caminhar ou tomar um banho. Aperte o botão de reset da sua mente.
Se você perceber que disse algo inapropriado, não fique se chutando mentalmente. Adicione algo de positivo depois.
Se começar a pegar atalhos que não deveria na hora de fazer um projeto, decida que você irá além do que tinha definido antes.
Crie uma oposição aos maus hábitos.
Aplicação pessoal
Não é a primeira vez que Epictetus sugere uma forma de lidar com os maus hábitos. E as duas são complementares.
Uma permite que você verifique seu progresso, a outra que você efetivamente mude o comportamento. Qualquer ação em longo prazo sem um processo de rastreamento provavelmente não irá durar. E qualquer decisão sem a prática jamais sairá do plano das ideias.
Não entre no Loop de Feedback do Inferno — reclamando porque fez besteira e depois reclamando consigo porque reclamou. Substitua o comportamento, aja e rastreie. É só isso que você precisa.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#291 — O benefício da gentileza
"Um benefício deveria ser mantido como um tesouro enterrado e apenas ser desenterrado na necessidade… A natureza nos ordena a fazer o melhor por todos… Onde quer que exista um ser humano, temos a oportunidade para a gentileza."
— Sêneca
A primeira pessoa que você vir hoje — um transeunte, um familiar, um amigo — independentemente do contexto é uma oportunidade para praticar a gentileza.
Ou como alguns tradutores das palavras de Sêneca já disseram: é uma oportunidade para criar um benefício, tanto para você quanto para o outro. Uma oportunidade de ajudar, de criar uma conexão, de entender as necessidades de alguém, de facilitar algum processo.
E isso também é verdade para a segunda pessoa que você vir, para a terceira… Para qualquer um com quem você interagir hoje.
Obviamente não existe garantia de que o outro vai retribuir a gentileza — mas isso é problema dele, não seu.
Sempre tenha atenção àquilo que você controla. Os outros não fazem parte dessa esfera. O que você controla é a habilidade de sempre responder com gentileza, mesmo que o outro seja um idiota.
Aplicação pessoal
Segurar a porta do elevador. Ajudar alguém com algo pesado. Oferecer o assento para uma pessoa idosa. Cumprimentar com um "bom dia". Reduzir a velocidade ou parar o carro para alguém atravessar a rua. Dizer "obrigado(a)" quando alguém fizer algo por você. Não invadir o espaço alheio.
Todas são pequenas ações que demandam segundos e raramente são praticadas.
Se elas já são parte do seu cotidiano, excelente. Agora busque outras formas de ser gentil com os outros. Se não são, é um bom momento para começar a praticar.
Existe a possibilidade das suas ações não resultarem em coisa alguma? Não. Mesmo que o outro não responda à altura, você facilitou o dia de alguém — ou pelo menos não o piorou. Como repetidamente disse Marco Aurélio, gentileza é a única resposta aceitável em qualquer situação. Não seja o idiota que vai perturbar os outros.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#289 — O benefício da dúvida (ou não assuma as intenções alheias)
"Tudo se refere às suas premissas sobre algo, e isso está em seu poder. Você pode arrancar o julgamento apressado se quiser e, como se dirigisse um navio ao redor do ponto, você encontrará mares calmos, tempo bom e um porto seguro."
— Marco Aurélio
O jurista americano Oliver Wendell Holmes Jr. disse que até mesmo um cachorro sabe distinguir entre alguém que o chutou e alguém que tropeçou nele.
Se você tem um cachorro e já tropeçou nele, sabe que a primeira reação vai ser ganir ou latir, talvez mostrar o dentes, e rapidamente se virar na direção do agressor. A primeira reação foi provocada pela dor. A segunda reação é provocada pela sua voz, pelo carinho que você faz ao pedir desculpas. Os dentes à mostra dão lugar a um rabinho que balança por sua causa.
Nem mesmo o seu cachorro se entrega a julgamentos precipitados, então você também não deve.
Alguém esbarrou em você. Vai assumir que foi de propósito ou um acidente?
Alguém bateu no seu carro. Vai assumir que essa pessoa é louca e sai dirigindo querendo bater nos outros ou que ela não teve atenção por alguns momentos e resultou na batida?
Um pombo* cagou em você. Vai assumir que o pombo é um enviado demoníaco ou que esse é o comportamento natural desse animal?
Assumir a malícia deixa tudo mais difícil; assumir um acidente é uma forma mais tranquila de lidar com as situações. Não crie tempestades com base na paranoia.
Aplicação pessoal
Existe uma frase chamada de Navalha de Hanlon que afirma o seguinte:
Nunca atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela estupidez.
Ontem, usei meu computador durante o dia, à noite desliguei-o e fui dormir. Hoje ele não ligou mais. Consegui um computador emprestado com uma amiga, mas não tinha como baixar o programa que precisava por causa do sistema operacional. Devo culpar a vida, o universo e tudo o mais ou aceitar que problemas fazem parte da arte de viver?
Se alguém cruzar o seu caminho hoje e provocar uma tragédia, seja ela pequena ou não, você vai piorar tudo assumindo a maldade em todos os atos alheios ou vai assumir que foi um acidente, um cálculo errado ou só negligência?
Talvez seja ingenuidade assumir que todos os atos não são motivados pela malícia. Mas como disse Sócrates, ninguém faz o mal pensando que está fazendo o mal. As pessoas pensam que estão ajudando — mesmo que a si mesmas.
Não se entregue à primeira impressão sobre alguém. As coisas nunca são aquilo que parecem.
*Na verdade, no caso dos pombos, acho que eles fazem de propósito mesmo.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#287 — Vingança é melhor quando não é servida
"A melhor forma de vingar a si mesmo é não ser igual a ele."
— Marco Aurélio
"Quão melhor é se curar do que buscar vingança pela dor. Vingança desperdiça muito do tempo e lhe expõe a mais dores do que apenas àquela que provocou tudo. Raiva sempre sobrevive à dor. Melhor pegar o caminho inverso. Alguém pensaria que é normal se você voltasse para chutar uma mula ou morder um cachorro?"
— Sêneca
Imagine que alguém lhe tratou mal. Imagine que alguém pegou os créditos por algo que você fez. É natural pensar: "É assim que o mundo funciona. Um dia será a minha vez" ou "Ele(a) que me aguarde", apesar de ser a pior resposta para o mau comportamento.
Como Marco e Sêneca escreveram, a melhor vingança é não buscar se vingar.
Se alguém é rude com você e você responde à altura, você apenas justifica a ação. Se você corresponde à desonestidade alheia com desonestidade, adivinhe.
É terrível quando nos traem, quando os outros são egoístas, quando eles sentem a necessidade de infligir dor aos outros (incluindo nós). Mas lembre-se de Sêneca: raiva dura mais do que a dor.
Hoje, busque superar a dor sem ceder à raiva. Porque não ser como o outro é a melhor vingança.
Aplicação pessoal
Durante a escrita da monografia, parte dos meus argumentos foram usados por outra pessoa sem os devidos créditos. Ao invés de relevar e continuar meu trabalho, eu fiquei enfurecida. Ao longo dos meses, a minha relação com essa pessoa mudou (não para melhor).
Pergunto-me o que teria acontecido se eu tivesse simplesmente deixado para lá. E, no fim, o mau uso da minha pesquisa não gerou qualquer resultado positivo para ele.
Vingança (ou apenas a raiva) requer o emprego de tempo e energia em um propósito indigno. E você sempre pode fazer melhor uso dos dois.
Ou se ainda quiser buscar vingança, lembre-se das palavras de Oscar Wilde, "perdoe seus inimigos, nada os irrita tanto".
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#285 — O bode fedorento de Marco Aurélio (ou o problema em dizer “vou ser honesto com você”)
"Quão podres e fraudulentas as pessoas parecem ser ao dizer: 'vou ser honesto com você'. O que você planeja, meu querido amigo? Não deveria precisar de anúncio, mas ser rapidamente percebido, como se escrito na sua testa, ouvido no tom da sua voz, um flash nos seus olhos — assim como um amante vê tudo nos olhos de quem ama. Em resumo uma pessoa honesta e boa deveria ser como um bode fedorento — você sabe quando ele está na sala com você."
— Marco Aurélio
Todos nós temos no nosso vocabulário frases como: “Sendo bem sincera(a)…”, “Sinceramente, eu acho que…”, "Olha, sem querer desrespeitar, mas…", "Vou ser direta(o) com você…".
Expressões vazias ou não, elas geram uma dúvida: se você precisa dizer quando está sendo honesto(a) ou direto(a), o que podemos inferir sobre todo o resto que você diz? Se diz que está sendo honesto(a) agora, então as pessoas devem assumir que nos outros momentos você não foi?
Você deve usar todas as frases citadas por costume ou para dar ênfase, mas e se você cultivasse o hábito de não dizê-las? De deixar sua honestidade ser tão palpável quanto uma moeda, tão explícita como um contrato e permanente como uma tatuagem?
Outros, pessoas menos escrupulosas, podem precisar afirmar a honestidade. Mas não você.
Aplicação pessoal
Há alguns anos, recebi uma mensagem de uma possível cliente em que ela afirmava que eu parecia ser uma pessoa honesta e decente. Toda a nossa conversa foi por email, ela só tinha minhas respostas e a foto do perfil para poder inferir qualquer coisa.
Era um trabalho que envolvia informações sigilosas e ela acabou me contratando. Mas eu faço tanto uso de expressões como "Sendo bem sincera…" quanto você deve fazer.
Então, pelos próximos dias, um desafio para nós: não ressaltaremos nossa sinceridade e honestidade com palavras, mas através dos nossos atos, como os estoicos sempre disseram que é a forma correta de mostrar o caráter.
Seremos como o bode fedorento de Marco Aurélio. (Metaforicamente falando, pelo amor dos deuses!)
Acta non verba.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#283 — A lei da colheita
"Crimes frequentemente retornam aos seus professores."
— Sêneca em Thyestes
É irônico pensar que a frase de Sêneca se provou verdadeira não apenas para o seu personagem, mas para o próprio autor.
Pelo que sabemos, durante anos Sêneca foi mentor do imperador Nero — além de ter sido parte da corte de Calígula. Existem evidências que mostram que Sêneca foi uma boa influência para o jovem tirano, mas mesmo na sua época, o seu comportamento foi considerado estranho: um filósofo que aceitou ser professor de uma pessoa tão desequilibrada e perigosa. Talvez hipócrita seja a palavra correta.
Instruções sangrentas que são ensinadas, observou Shakespeare em Macbeth, retornam para atormentar o criador. A colaboração de Sêneca o levou a ser assassinado pelo seu seu aluno (uma ordem de suicídio) apesar de, durante alguns anos, ter conseguido conter os impulsos tirânicos do imperador.
A hipocrisia de Sêneca, evitável ou não, cobrou um preço alto. A sua também vai ter um preço.
Aplicação pessoal
No documentário Minimalism: A Documentary About the Important Things, disponível no Netflix, Ryan Nicodemus menciona um momento que o fez parar para pensar o que estava fazendo com sua vida: ele estava ensinando pessoas a vender celulares… para crianças de 5 anos. O objetivo? Você já deve ter imaginado: mais vendas, mais dinheiro, outra promoção.
Se você age de forma inadequada ou se mostra um mau exemplo para seus funcionários, sua chefe, sua família, seus filhos, suas amigas, quais as chances deles lhe machucarem ou lhe traírem no futuro? Quais as chances de você perder a confiança dessas pessoas?
O que vai, volta. Cada ação tem uma reação — seja positiva ou negativa. Podemos chamar isso de karma ou lei da conservação da força, o que você preferir.
O que você faz agora pode não ter um resultado imediato, mas cedo ou tarde as consequências dos seus atos vão lhe alcançar. Então pense bem antes de fazer algo que não deveria.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#281 —Uma opção aos prazeres
"Sim, conseguir o que você quer teria sido bom. Mas não é por isso que os prazeres nos atraem? Ao invés disso, veja se estas coisas não são ainda melhores: uma grande alma, liberdade, honestidade, gentileza, santidade. Pois não há nada mais prazeroso do que a sabedoria quando você considera quão seguros e fáceis o entendimento e o conhecimento são."
– Marco Aurélio
Prazeres são bons. Fim de discussão.
Mas Marco Aurélio lembrou a si mesmo — e a nós — que eles não são superiores às virtudes.
A sensação da dopamina se espalhando ao comprar algo, o orgulho de conseguir alcançar algum objetivo. São sensações boas, mas tudo isso é momentâneo e nos deixa desejando mais.
O que, então, dura mais e permanece dentro do nosso círculo de controle?
Sabedoria. Caráter. Sobriedade. Gentileza. Honestidade.
Aplicação pessoal
No livro Minimalism, contribuição é um dos cinco valores que o Joshua e o Ryan definem para uma vida plena. E Marco Aurélio já nos lembrou que realizar atos positivos gera sensações boas.
Hoje, ele não afirmou que devemos abrir mão daquilo que apreciamos. Apenas alertou para uma escolha: entre fazer uma boa ação, alguma contribuição, e se entregar a algum desejo, o que você acha que vai ter efeitos mais duradouros?
Você não deve ser privar dos seus desejos, mas lembre-se que fazer algo por alguém gera sensações melhores do que os minutos de alegria pós-compra.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#308 — A melhor forma de encarar as mudanças
"Não existe nenhum mal nas coisas mudarem, da mesma forma que não existe nenhum bem em persistir em um novo estado."
— Marco Aurélio
Quando as pessoas dizem que mudança é algo bom, elas estão tentando assegurar alguém (ou elas mesmas) de que tudo vai dar certo. Instintivamente, nós vemos as mudanças como algo ruim — nosso cérebro não gosta de mudança de padrões. Mudança significa que ele tem novas coisas a aprender.
Os Estoicos, por outro lado, sugerem que você esqueça esses rótulos. Mudanças não são boas nem ruins, elas apenas são.
Eventos são objetivos, nós que inserimos um juízo de valor.
Nossa opinião que diz se algo é bom ou ruim, se devemos lutar contra ou a favor. Se não adicionarmos qualquer valor, o que acontece? Não precisamos lutar.
Aceitar é uma atitude melhor do que pensar que o Universo resolveu lhe infernizar ou acreditar que tem toda a sorte do mundo (até que ela esgota e você se sente na merda).
Aplicação pessoal
Os eventos não são o problema. Nossas crenças são.
Se acreditamos que algo é bom e esse algo não acontece, ficamos tristes/irritados/frustrados. Se acreditamos que algo é ruim e esse algo acontece, também ficamos tristes/irritados/frustrados.
Por isso os Estoicos insistem que não precisamos atribuir valores às coisas. Elas são o que são. E quando acreditamos que elas são boas ou ruins elas têm o poder de alterar nosso estado emocional.
O mesmo se aplica a mudança, ela não é boa nem ruim, apenas faz parte do curso natural do universo. Afinal, como pode haver progresso ou crescimento se algo não muda?
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#306 — Como controlar as expectativas (ou Como Evitar a Decepção — Parte 2)
“Mas em nenhum momento minha vontade foi impedida ou forçada a fazer algo que não desejava. E como isso é possível? Eu entrelacei minha vontade com a dos deuses. Se os deuses desejam que eu fique doente, então eu ficarei. Se desejam que escolha algo, eu escolherei. Se desejam que busque algo ou que algo me seja dado, minha escolha será a mesma. O que os deuses não desejam, eu não desejo.”
— Epictetus
General Dwight Eisenhower escreveu uma carta para sua esposa na noite anterior à invasão da Normandia. Ele disse:
“Tudo em que pudemos pensar foi feito, as tropas estão em forma, todos estão fazendo o seu melhor. A resposta está no colo dos deuses.”
Ele e suas tropas fizeram tudo o que podiam fazer. Toda a preparação necessária foi feita, sem nada ser negligenciado. Fora isso, ele não tinha mais o que controlar. Ele estava pronto para aceitar o que viesse porque fez a parte dele. Eisenhower chegou até mesmo escreveu uma outra carta caso a invasão falhasse. Se o fracasso era o que os deuses desejavam, ele também estava pronto para isso.
O homem encarregado de um exército poderoso, na noite da invasão mais bem planejada que o mundo conheceu, foi humilde para compreender que, apesar de tudo, ele ainda poderia falhar. O resultado não pertencia a ele, apenas a preparação.
Não importa quão bem preparados nós vamos estar, as coisas ainda podem dar errado. A partir do momento que a situação deixa nossas mãos, tudo é possível, até mesmo um fracasso desastroso. Como disse Marco Aurélio, esteja satisfeito com o progresso e trate o resultado como não importante.
Faça o seu melhor, mas lembre-se que o resultado não está em suas mãos.
Aplicação pessoal
Em Total Recall, sua autobiografia, Schwarzenegger conta sobre dois Mr. Olympia diferentes: um em que ele não venceu e ficou completamente enfurecido, e outro em que também não venceu, mas finalizou a disputa com a consciência tranquila.
A diferença entre as duas situações? Em uma, ele sabia que tinha feito tudo o que podia para trabalhar o corpo e garantir a melhor forma no dia do evento; no outro, não.
De forma similar a Eisenhower, o que estava nas mãos de Schwarzenegger era a possibilidade de trabalhar o máximo possível com intenção de sair vitorioso. E assim como Eisenhower, ele entendeu que todo o trabalho poderia significar… nada. A decisão estava nas mãos do júri.
Assim como a sua prova quando você termina e entrega ao avaliador. O seu livro quando você finaliza e ele entra no processo de publicação. A sua música quando finalmente divulgada. Suas propostas de melhoria do departamento.
Não temos como saber se as coisas vão acontecer como queremos. Mas podemos ficar com a consciência tranquila se soubermos que fizemos o que era possível.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#304 — A ferramenta para reverter a corrupção da natureza humana (e o dever dos estudantes da filosofia)
"O ser humano nasce com uma inclinação na direção da virtude."
— Musonius Rufus
Como você acha que a humanidade sobreviveu até hoje? Porque fomos feitos para ajudar uns aos outros, para cooperar. Caso contrário, já estaríamos extintos.
Para os Estoicos, essa habilidade está no núcleo do que somos e sabemos ser verdade. Todos nós fomos feitos pela natureza, disse Musonius Rufus, de forma que possamos viver livre de erros e de forma nobre, não que um possa e outro não possa, todo podemos.
Quer você acredite ou não, você nasceu com uma inclinação para as virtudes. Você pode ter se distanciado dessa ideia, não por causa de uma natureza corrupta, mas de uma natureza corrompida. De ideias erradas e o apego às coisas que não são positivas.
E como Sêneca afirmou, a filosofia é a ferramenta para retornar à sua verdadeira natureza.
Aplicação pessoal
Sêneca e Marco Aurélio afirmam que as pessoas não agem de forma errada com intenção, mas porque não sabem diferenciar o correto do errado. Ou como disse Sócrates, ninguém faz o mal pensando que está fazendo o mal.
Alguém age de forma negativa pensando em como está se beneficiando e não em como alguém pode ser prejudicado por essa ação. Logo, a ação é justificada e puramente positiva — essa pessoa se deu bem, mesmo que às custas de outro.
Isso significa que não há "salvação"? Para os Estoicos, qualquer um pode reverter o mau comportamento. Como? Estudando a filosofia. Praticando as virtudes cardinais. Aprendendo a separar o que é bom (virtude) do que é mau (vícios). Aprendendo que existem coisas que podemos controlar e coisas que não podemos, e aceitando viver em harmonia com as últimas.
Tudo isso que escrevi também se aplica a você, mesmo que você já esteja no caminho da filosofia porque ela é uma prática diária.
Mas a você que já tem essa consciência, os Estoicos pedem outra coisa: ofereça a mão àqueles que ainda estão perdidos. Faz parte da sua obrigação como ser humano cooperar, especialmente com aqueles que precisam de ajuda.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#302 — "O caráter do homem é seu destino"
"Cada pessoa adquire o próprio caráter, mas seus papéis oficiais são definidos pela sorte. Você deveria convidar alguns à sua mesa porque merecem, outros porque podem vir a merecer."
— Sêneca
Durante uma seleção de emprego, a maioria dos recrutadores está interessada em: onde você estudou, onde você trabalhou, o resultado do teste que você teve que fazer, além da entrevista e quaisquer projetos/conquistas extras. A ideia? Sucesso passado pode ser um indicador de sucesso futuro. Mas é sempre o caso?
Muitas pessoas são bem sucedidas porque tiveram sorte. Sorte de conhecer alguém que ofereceu uma oportunidade. Sorte de ter feito um curso na época anterior ao boom daquele conhecimento. Sorte de ter se arriscado em algum campeonato.
Mas e os jovens que ainda não tiveram tempo de construir uma lista de conquistas? Nós somos descartáveis e sem valor?
Claro que não. Heráclito disse, “o caráter de um homem é seu destino”. O caráter de alguém é um melhor indicador de uma pessoa, não uma lista de atividades. Considere isso da próxima vez que lidar com alguém sem uma montanha de conquistas.
Aplicação pessoal
Na faculdade, tive um professor que se vangloriava de ter ganho um prêmio Santander de empreendedorismo.
Anos depois, descobri que ele só ganhou o prêmio porque um colega precisava ter um professor orientador para submeter a ideia. O projeto estava pronto, só precisava de uma assinatura. No fim, a equipe ganhou o prêmio, o nome do professor foi incluso e ele nem mesmo sabia do que se tratava o projeto.
E o que ele fez ou deixou de fazer tem a ver conosco? Manter uma atitude correta não se trata apenas de você, também envolve as pessoas que estão ao seu redor.
Você pode (e deve) ser uma boa influência, mas os outros lhe influenciam da mesma forma. Se os seus amigos mais próximos são mais propensos a pegar o caminho mais curto (e errado), com o tempo, como você acha que começará a agir?
No longo termo, caráter é o que indica seu verdadeiro valor (e é a maior vantagem que você tem). E o mesmo é válido para as pessoas que você aceita em sua vida. Você não pode controlá-las, mas sempre existe a opção de escolher quem ficará ao seu lado.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#300 — Três partes, um objetivo
"Os melhores e a maior parte dos autores afirmaram que a filosofia consiste de três partes: a moral, a natural e a racional. A primeira coloca a alma em ordem. A segunda examina minuciosamente a ordem natural das coisas. A terceira inquire sobre o verdadeiro significado das palavras, seus ordenamentos e as provas que impedem as falsas impressões de rastejar e perturbar a verdade."
— Sêneca
Essas três partes, apesar de suas diferenças, possuem um único objetivo: ajudar a viver uma vida boa guiada pela razão.
E não no futuro, mas agora.
Aplicação pessoal
Quando pensamos em um projeto, três perspectivas diferentes vêm à mente: custo, cronograma e escopo.
Se você resolve mexer no escopo, um impacto é gerado no custo e no cronograma. Se o cronograma é modificado, provavelmente o escopo e o custo também serão. Se você reduz o custo, cronograma e escopo terão que ser reduzidos também. A velha ideia: três dimensões, escolha duas.
No caso da filosofia, uma dimensão impacta as outras duas, mas não em detrimento. Nenhuma delas pode ser reduzida, não podemos apagar experiências e sabedoria. E qualquer modificação em uma colabora com a outra.
Nem sempre vamos ser capazes de praticar as três dimensões, mas qualquer prática em uma delas também favorece as outras. E quando isso deve ser feito? Agora, neste momento.
Você sempre tem uma oportunidade de praticar a filosofia, basta transformar em um hábito.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#298 — A verdade sobre as coisas boas (e onde encontrá-las)
"Procure fundo dentro de você pois existe uma fonte de coisas boas sempre pronta para fluir se você continuar buscando."
— Marco Aurélio
Hoje, você pode esperar que algo bom apareça em seu caminho. Bom tempo, boas notícias, bons amigos, boa sorte, trânsito livre, pessoas compreensivas.
Ou você pode encontrá-las. Onde? Seguindo as palavras de Marco Aurélio: em você).
Coisas boas não são entregues pelos Correios (e mesmo que fossem, duvido que chegariam no prazo certo). Você precisa fazer o esforço para encontrá-las, tanto em seus pensamentos quanto nas suas ações.
E você também pode dá-las — o outro lado da moeda. Uma ação positiva em prol de outra pessoa. Afinal, fazer algo por alguém está em seu poder de escolha.
Aplicação pessoal
O Estoicismo é uma filosofia construída em cima das adversidades, como sugere a própria história sobre como Zenão de Cítio se tornou filósofo.
Zenão era um mercador que perdeu todos os bens em um naufrágio. Em Atenas, sem suas mercadorias, ele entrou em uma biblioteca e encontrou um livro de filosofia. Então, perguntou ao dono da livraria onde poderia encontrar alguém que o ensinasse mais sobre o assunto. Assim Zenão se tornou discípulo de Crates de Tebas, um filósofo cínico.
Cada momento ruim também possui algo bom. Como disse Marco Aurélio, o obstáculo é o caminho. Ou segundo Sêneca, uma pessoa pode ser feliz até mesmo no meio de um fórum romano (que deveria se parecer muito com isso).
O que exatamente eles queriam dizer? Que felicidade, emoções positivas — coisas boas — podem ser encontradas em qualquer lugar porque dependem da nossa percepção e das ações motivadas por essas percepções. Não do que acontece do lado de fora.
Você não controla o mundo externo, apenas a percepção do mundo externo.
"Procure fundo dentro de você pois existe uma fonte de coisas boas sempre pronta para fluir se você continuar buscando."
Nesta percepção reside o poder de transformar a realidade. De vê-la de forma positiva, não como um fardo que deve ser carregado até estar sete palmos embaixo da terra.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#296 — É fácil se tornar melhor… Mas melhor em quê?
"Então alguém é bom em derrubar os oponentes, mas isso não o torna alguém que pensa na comunidade, ou alguém mais modesto, ou mais preparado para qualquer circunstância, ou mais tolerante com os erros dos outros."
— Marco Aurélio
Desenvolvimento pessoal é uma busca nobre. A maioria das pessoas nem mesmo considera a ideia. Mas entre aqueles que se preocupam com o próprio desenvolvimento, é possível que seja apenas por vaidade ou superficialidade ou porque você acha que deve melhorar, mas apenas por melhorar.
Qual a razão para você ir à academia? Por que quer melhorar seu estilo de vida, desenvolver resistência, fazer alguma atividade física ou por que quer impressionar as pessoas quando tirar sua camisa ou estiver biquíni na praia? Você decidiu correr uma maratona por que quer testar seus limites ou por que quer fugir dos problemas que tem em casa, justificando a ausência como "tempo de treinamento"?
Você pode desenvolver o corpo de um fisiculturista ou aprender oito línguas diferentes, mas não em detrimento das outras pessoas. Qual o ponto em ser bom em esportes, mas ser um(a) péssimo(a) companheiro(a)? Qual o ponto em ser um(a) empresário(a) bem sucedido(a) se não teve tempo para ver seus filhos crescendo?
Existe uma diferença em se tornar melhor em algo e se tornar uma pessoa melhor. Não confunda os dois porque um é muito mais relevante que o outro.
Aplicação pessoal
Pat Riley, um treinador que ganhou 6 campeonatos do NBA, criou o termo “a doença do mais”.
Os jogadores dos times, como todo mundo, desejam mais e mais. Inicialmente, “mais” é ganhar um campeonato. Depois, o campeonato não é o bastante. Eles querem mais dinheiro, mais fama, mais comerciais de TV, mais marketing, mais atenção da mídia. Como resultado, uma equipe coesa e que trabalhava bem começa a se fragilizar. Os egos dos jogadores, segundo Riley, começam a fazer parte da equação. Eles ignoram coisas que consideram “pequenas” ou tarefas que não estejam a altura deles — eles são bons demais para tudo.
A equipe repleta de talentos se transformou em uma batalha de egos e a unidade se desfez, assim começa a rápida derrocada de uma equipe estelar.
Os jogadores esqueceram que, para ganhar um campeonato, eles não precisam de mais comerciais ou marketing. Eles precisam ser jogadores melhores, tanto em termos de habilidade quanto de saberem lidar e jogar com seus companheiros.
Você pode tentar ser melhor em qualquer coisa que queira, mas não em detrimento das suas relações com os outros, não em detrimento de ser uma pessoa melhor. Porque deixar o ego reger suas escolhas é uma receita para o fracasso.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#294 — Qual o sentido da vida?
"Você tem provas, considerando a extensão das suas divagações, que nunca encontrou a arte de viver em local algum — não na lógica, não na riqueza ou em alguma indulgência. Em local algum. Onde ela está, então? Em fazer o que a natureza humana demanda. Como alguém faz isso? Tendo princípios que são a fonte do desejo e da ação. Que princípios? Aqueles relacionados ao bem e ao mal, certamente na crença que não existe bem para um ser humano exceto o que cria justiça, autocontrole, coragem e liberdade, e nada ruim além do que destrói tudo isso."
— Marco Aurélio
Qual o sentido da vida?
Por que nós estamos aqui?
Todos nós já nos perguntamos isso em algum momento da vida. Raramente encontramos alguma direção que nos leve a uma resposta — uma que faça sentido para nós.
Em Man's Searching for Meaning, Viktor Frankl diz que a pergunta "qual o sentido da vida?" não é feita por nós, mas para nós. Nossas vidas são as respostas.
Nem viagens, nem leituras, nem sábios, nem biscoitos da sorte podem responder essa pergunta. Apenas você pode. Como? Na forma como você vive. Nas coisas que você faz. Ao encarnar os princípios, as virtudes cardinais que Marco Aurélio já nos disse tantas vezes.
Aplicação pessoal
O que você decidiu fazer com sua vida? Como você decidiu viver? Você está satisfeita(o)? O que você deseja fazer? O que você considera como o suficiente? Como você planeja ajudar outros?
A resposta para todas essas perguntas (e outras mais) começam a dar uma direção sobre o que você deve fazer para dar sentido à sua vida. Ninguém vai responder isso por você. Quanto mais cedo encontrar as respostas, mais fácil vai ser ajustar o seu curso para atingir o alvo correto.
Mas lembre-se que não podem ser respostas quaisquer; você tem que dar respostas sempre de acordo com o que é correto. De que adianta conseguir dinheiro se for de forma ilícita? Você viverá com a consciência pesada e paranoia. De que adianta conseguir o relacionamento que tanto desejava se traiu uma pessoa para isso?
Percebeu que respondeu mal da primeira vez? Não achou um porto adequado para seu barco, como diria Sêneca? Não tem problema. Repense tudo e defina um novo rumo. Você tem toda liberdade para escolher novos portos, mas tenha um destino. Caso contrário, nenhum vento é favorável.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#292 — Melhor ter inimigos do que falsos amigos
"Não existe nada pior do que um lobo tornando-se amigo de uma ovelha. Evite as amizades falsas a todo custo. Se você é uma pessoa boa, honesta e com boas intenções, isso deve estar em seus olhos e ser sempre percebido."
— Marco Aurélio
Não é preciso ser um gênio para saber que devemos nos manter afastadas(os) das pessoas vis e de duas-caras. Na primeira parte da meditação, é isso o que Marco Aurélio nos pede.
Contudo, existe o outro lado da moeda:
Se você é uma pessoa boa, honesta e com boas intenções, isso deve estar em seus olhos e ser sempre percebido.
Estoicismo não é sobre julgar os outros, é sobre julgar seu próprio comportamento.
Quantas vezes você já foi falsa(o) com seus amigos? Quantas vezes você só quis se aproveitar de algo e, assim que o benefício acabou, você virou as costas?
Todos nós já fomos frenemies em algum momento — nenhum de nós é perfeito. Já falamos mal de alguém. Já nos aproveitamos de alguém. Já nos importamos com alguém apenas quando as coisas estavam bem, depois negamos ajuda. Já dificultamos a vida de alguém por puro prazer.
Esse comportamento é inferior a nós. Ele pode ter acontecido no passado, mas não deve acontecer no futuro. (E lembre-se de tudo o que você já fez quando resolver acusar alguém de ser um mau amigo).
Aplicação pessoal
Marco Aurélio tem algumas histórias interessantes sobre frenemies — um deles chegou ao ponto de comandar um exército em direção à Roma com intuito de matar o imperador e assumir o trono.
Eu não acharia estranho se depois disso ele tivesse se tornado paranoico como Calígula ou Nero. Mas Marco não cedeu. Ele continuou sendo o filósofo-rei que Platão desejava.
Marco perdoou um amigo que queria assassiná-lo e nós não conseguimos perdoar uma pessoa que cometeu um erro pequeno. Não conseguimos ser honestos. Começamos a agir como frenemies.
Se é para ser um amigo, seja. Mas se é para ser um falso amigo, repense a situação. É melhor cortar relações a ser uma pessoa falsa. Pelo menos inimigos são honestos — eles sempre falam na cara.
E, bom, o que você acha que seus outros amigos vão pensar quando você fingir amizade e depois mudar de lado? "Alguém confiável" não vai ser a descrição que passará pela mente deles.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#290 — Espalhe a filosofia
"Algumas pessoas de mente excepcional rapidamente entendem as virtudes ou as produzem em si. Mas outros, fracos e preguiçosos, impedidos por maus hábitos, precisam ter suas almas arranhadas constantemente polidas… Os tipos fracos serão ajudados e afastados das suas más opiniões se os colocarmos nos cuidados dos princípios filosóficos."
— Sêneca
Pela própria definição, Estoicismo não é uma religião. É uma corrente filosófica helenística, o que significa que você não é obrigada(o) a salvar alguém ou salvar a própria alma. Não existe um inferno esperando caso não dê atenção às palavras de Epictetus, Marco Aurélio ou Sêneca.
Mas dado que estudou e aprendeu a caminhar por um percurso diferente, você pode ajudar os outros.
Você pode espalhar a sabedoria que adquiriu ao conversar com uma amiga, um parente, um estranho em uma recepção, lembrando-se sempre que o seu comportamento é um exemplo melhor do que suas palavras.
Como disse Sêneca a Lucílio quando este questionou porque o amigo usava tanto as palavras de Epicuro (adepto de uma filosofia oposta), sabedoria não é propriedade de uma corrente filosófica ou de uma religião, ela é de todos. Se é verdade, use.
Se você vir alguém que precisa de ajuda ou que lhe pediu ajuda, forneça. Você deve isso a essa pessoa.
Aplicação pessoal
Hoje, a tarefa é simples: espalhe a filosofia.
Ofereça um pouco da sua experiência, sabedoria, conhecimento. Uma frase pode mudar a vida de alguém — ou pelo menos aliviar algum sofrimento.
E se não tiver algo a dizer, ofereça companhia, empatia, gentileza e atenção. Tudo isso vale mais do que algumas palavras.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#288 — Como lidar com babacas
"Você se irrita quando alguém fede? Qual o sentido disso? Não cuidando do corpo claro que um cheiro ruim exalará. Você diz 'eles devem ter alguma noção, eles não percebem que estão ofendendo os outros?' Bem, você também tem essa noção, parabéns! Então use a sua razão para acordar a dos outros, mostre. Se a pessoa decidir ouvir, você terá resolvido o problema sem recorrer à raiva. Nenhum drama, nenhum show requerido."
— Marco Aurélio
Você sentou na sua poltrona do avião. Não existe ninguém na sua fileira. Minutos depois, duas pessoas ocupam as outras poltronas disponíveis.
Uma delas começa a conversar com a outra, mas ela fala tão alto que nem mesmo o seu fone de ouvido consegue reduzir o som. Você começa a ranger os dentes, pensando em diversas maneiras de assassiná-la.
Você perde seu tempo pensando em como essa pessoa é rude, o que alimenta sua raiva — ao invés de, educadamente, pedir para ela falar mais baixo. Ou perguntar à comissária de bordo se existe outra poltrona disponível no avião.
Preferimos pensar no problema e em como isso nos incomoda a ter uma conversa estranha de alguns segundos que pode ajudar o outro a perceber o comportamento inadequado e, quem sabe, transformá-lo em alguém melhor.
Esperamos que os outros irão magicamente se transformar em pessoas decentes ou que o crânio deles vai ser perfurado pelo nosso olhar ameaçador. Parando para pensar no segundo caso, quem é realmente rude, você ou o outro?
Aplicação pessoal
As palavras com licença, por favor e obrigado(a) não fazem parte do vocabulário de muitas pessoas. Quando não são devidamente usadas, consideramos isso como grosseira. Mas grosseira e mau comportamento não se resume a isso.
Seu olhar de raiva, seus comentários depreciativos em voz alta, sua ceninha sem sentido são muito mais inadequados.
Alguém está lhe incomodando? Peça educadamente a essa pessoa para reduzir o tom de voz. Para ela tentar não invadir seu espaço. Para ela remover as coisas do caminho e você conseguir trafegar.
Ela não quis colaborar? Existe um ditado que diz "os incomodados que se mudem". Essa pessoa continuará sendo babaca mas você vai se dar bem na história porque estará longe dela. Parabéns, você resolveu o problema e manteve sua paz de espírito.
Marco Aurélio se lembrava que, todos os dias, ele teria que lidar com gente idiota, ingrata, mal educada, grosseira, indecente. Faz parte da vida. É melhor lidar com esse tipo de pessoa usando a razão e bom senso do que fazendo drama.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#286 — Uma regra para conviver bem com os outros
"Hécate diz: 'Eu posso lhe ensinar uma poção do amor que não precisa de drogas, ervas ou feitiços — se você quer ser amado, ame.'"
— Sêneca
Em 1992, Barbara Jordan discursou contra a ganância, o egoísmo e a divisão da população na década anterior:
"Mude o ambiente dos anos 80 para um ambiente caracterizado pela devoção ao interesse público, ao serviço público, à tolerância e ao amor.
Amor. Amor. Amor."
Para que os anos 90 fossem diferentes, alguém precisaria agir e substituir o egoísmo anterior com algo novo. Era preciso que alguém começasse uma nova onda de ações voltadas ao cidadão.
Transferindo isso da esfera pública para a privada: se você quer que algo aconteça, aja primeiro.
Se você espera gentileza, seja gentil. Se você deseja a possibilidade de uma amizade, sorria primeiro (porque como disse Oscar Wilde, uma boa amizade é aquela que começa com um sorriso). Se você quer ser respeitado(a), primeiro ofereça respeito.
Toda e qualquer situação pode ser melhorada quando se coloca gentileza, empatia, compreensão e apreciação, mesmo que você esteja se opondo a alguém (se não melhorar, piorar não vai). E você provavelmente vai receber uma parte disso de volta.
Aplicação pessoal
Gostaria de dizer que consigo me manter na linha durante boa parte do tempo, mas seria mentira. Em vários momentos acabo abandonando a gentileza. O que esse comportamento provoca? Atritos, problemas e brigas.
Mas o que acontece quando você age com calma, respeito e atenção? Mesmo uma pessoa irritada, cedo ou tarde, acaba cedendo. Uma situação complicada pode se tornar mais fácil de resolver. Você pode acabar descobrindo alguma amizade onde não esperaria (alguns casos de "ódio à primeira vista" se transformaram em amizades de anos).
Lembre-se de Marco Aurélio: gentileza — compaixão, compreensão, amor — é a única resposta aceitável em qualquer situação. "Gentileza gera gentileza" não é uma frase vazia.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#284 — Persistir e resistir
"Deixe o passado para trás, deixe o grande projeto cuidar do futuro, e guie apenas o presente para reverência e justiça. Reverência para que você possa amar o que lhe foi alocado, pois a natureza lhes deixou próximos um ao outro. Justiça para que você fale a verdade e sem evasão, e para que você aja apenas como a lei e os valores das coisas requerem."
— Marco Aurélio
Aulo Gélio, escritor e jurista romano, uma vez disse: "Se qualquer pessoa levasse duas palavras a sério e fizesse o necessário para se vigiar segundo elas, ela viveria uma vida tranquila e impecável. Essas duas palavras são: persistir e resistir".
Uma das máximas estoicas é "sustine et abstine", normalmente dita por Epictetus. Em bom português isso significa "suporta e abstém". Suporte os males que lhe forem infligidos e que você não pode controlar, e se abstenha das coisas que podem lhe colocar na direção desses males.
Palavras diferentes, mas com o mesmo significado do que Aulo Gélio afirmou: persista e resista. Persista durante os maus momentos e resista aos impulsos ruins.
É um excelente conselho. Mas que princípios usar para determinar quando persistir e ao que resistir?
Marco Aurélio já nos deu a resposta: reverência e justiça. Em outras palavras, guiar nossas ações pelas virtudes.
Aplicação pessoal
Desde o início, Epictetus insistiu que aprendêssemos a separar o que podemos controlar do que não está na nossa esfera de controle. E ele já ofereceu a resposta várias vezes.
O que podemos controlar é a nossa mente. Nossas percepções do mundo. Como reagimos ao que acontece ao nosso redor e dentro da nossa mente. O que não podemos controlar é todo o resto. O mundo, as pessoas, os eventos externos, as opiniões alheias, quando o gato arranha o sofá.
Separar o que podemos controlar do que não podemos também nos diz a coisa certa ao fazer:
"Onde então, eu procuro o bem e o mal? Não em eventos incontroláveis, mas em mim, nas escolhas que são minhas."
– Epictetus
Desde o início ele tentou trazer nossa atenção para o desenvolvimento das virtudes, princípios e valores. Elementos essenciais para uma vida com mais escolhas certas do que erradas.
Marco Aurélio também já respondeu quais as virtudes que devem ser apreciadas: justiça, coragem, autocontrole e honestidade. Ou usando os termos das virtudes cardinais estoicas: sabedoria prática, coragem, temperança e justiça
Toda a teoria você já tem, então como desenvolver as virtudes? Prática. Não existe outra forma e por isso nossos professores insistem tanto para agirmos da forma correta sempre. E eles fizeram mais do que era necessário: eles ensinaram a teoria e mostraram como aplicá-la.
Separe o que você pode controlar do que você não pode. Aja com gentileza e respeito independentemente da pessoa com quem está interagindo. Se for errado, não faça; se for mentira, não diga etc.
Simplificando: pergunte-se se sua avó gostaria que você fizesse algo. Se ela não aprovar, não faça.
Todas as diretrizes já foram dadas. Basta você segui-las. (Vovó está de olho).
Sustine et abstine.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#282 — Defina os padrões (Você consegue aquilo que tolera)
"Quando os padrões são definidos, as coisas podem ser testadas e ponderadas. E o trabalho da filosofia é precisamente isto, examinar e defender os padrões, mas o trabalho de uma pessoa verdadeiramente boa está em usar esses padrões."
— Epictetus
Boa parte dos nossos dias é gasta com ações reativas.
Uma ação atrás da outra é realizada sem que jamais pensemos: isso que eu estou prestes a fazer está de acordo com o que eu acredito/valorizo? Ou melhor: a pessoa que eu gostaria de ser deveria estar fazendo isso?
Um dos trabalhos dos vivos é definir padrões e não comprometê-los, não importa se você está escovando os dentes, indo para academia, escolhendo amigos, perdendo a cabeça, trabalhando, instruindo seus filhos ou caminhando com seu cachorro.
O fato de uma ação ser pequena, considerada quase como insignificante, não justifica abrir mão daquilo que você definiu como um padrão. Essas pequenas ações, com o tempo, somam em coisas gigantescas.
Defina um padrão e se agarre a ele. É tudo o que importa. Todo o resto se ordenará com base naquilo que você escolher.
Aplicação pessoal
Tony Robbins tem o costume de dizer que você consegue aquilo que você tolera. Em outras palavras: os padrões que você aceita regem suas ações. O que Robbins afirmou está em concordância com as palavras de Epictetus.
Se você tolera comer fast-food todos os dias, se você tolera estudar 3h sem interrupção, se você tolera sentar todas as noites na frente da TV até dormir, se você tolera um chefe que lhe trata mal ou se você tolera que apenas lhe tratem com respeito, é assim que sua vida funcionará.
A dificuldade reside em desenvolver consciência sobre esses padrões. Neste momento, os limites são seus melhores amigos. Não diga que vai caminhar com o cachorro. Diga que vai caminhar com o cachorro por 30 minutos, e caminhe a porra dos 30 minutos.
No período da reabilitação, eu tinha aproximadamente 8h de fisioterapia por semana. Só faltava uma sessão por motivos de: doença ou algum compromisso de natureza profissional. O padrão era esse. Fim.
Stephen King só sai do escritório quando escreve 2000 palavras. Até que isso aconteça, ele fica trancado olhando o papel ou computador.
Adaptando um pouco as palavras de Bruce Lee, descarte os padrões que não lhe servem, adote aqueles que são sinérgicos com seus planos, e adicione aquilo que é unicamente seu.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)
#280 — Uma razão egoísta para ser uma boa pessoa
"A pessoa que faz algo errado, comete um erro contra si mesma. Aquele que não é justo é injusto em relação a si — o que o torna maligno."
— Marco Aurélio
Quando você faz algo positivo, como você se sente? E quando faz algo negativo ou ferra com alguém? No primeiro momento, você pode até se sentir poderoso(a), mas duvido muito que continuará dizendo "Eu me senti muito bem!", mesmo que seja em relação a alguém que você deteste.
Em cenas de crime, é fácil ver pessoas vomitando ou se tremendo. Obviamente, existem exceções — aqueles que não sabem separar o correto do errado e têm seus valores invertidos. Nos outros casos, ao invés da catarse da vingança, a única coisa que conseguem é ficar doentes, fisicamente e psicologicamente.
Nós sentimos uma versão disso quando mentimos, traímos ou deliberadamente escolhemos ferrar alguém.
Consciência e transgressões não andam juntas. Se você escolher o último, cedo ou tarde a consciência encontrará você. Então, esteja preparado(a).
Aplicação pessoal
Em Crime e Castigo, Rodion Raskólnikov decide assassinar uma pessoa acreditando que sua morte contribuirá para o bem maior e mostrará que ele era alguém extraordinário — alguém que tinha o direito não escrito de violar as leis e regras se suas intenções fossem úteis à comunidade.
Rodion comete o assassinato. E começa a ser atormentado pela angústia do crime, entrando em um profundo estado de paranoia.
O que Dostoiévski relatou no livro acontece no mundo real. As pessoas cometem atos mal intencionados acreditando que está em seu direito e depois são sobrecarregadas pelo peso da culpa.
Se você ainda precisa de uma razão para ser uma boa pessoa, aqui está uma: faça o correto porque fará você se sentir bem.
@estoicismo | texto por Sabrina A. (2017)